quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A nova empresa globalizada - Mitos e realidade

Por Lauro Monteclaro 26/05/2004 às 01:01


As marcas mais famosas e globalizadas tais como Nike, Reebok, Gap, Benetton, Ralphe Lauren, Wall Mart, Disney e Barbie são exemplos de como funciona o novo capitalismo informacional.


Em muitas discussões atuais sobre questões como desemprego, queda de renda da classe trabalhadora, relação entre capital e trabalho e outros assuntos afins, saltam aos olhos os baixos níveis de informação entre sindicalistas, militantes políticos, ou simples interessados, sobre como funciona a nova empresa globalizada.

Muitos ainda pensam em termos de grandes instalações fabris, instaladas em seus países de origem, onde mantém sólidos laços de lealdade e dependência com os estados nacionais. Quando muito, percebem apenas a típica multinacional, que vem a ser uma rede de filiais instaladas em outros países com o objetivo de reproduzir o modelo da matriz, com pequenas adaptações para atender o mercado do país onde se instalam.

Para alguns, essas empresas representem a vanguarda de uma nova e radiosa era tecnologia com promessas de riqueza, empregos e prosperidade para todos. Para outros, nada mais são do que novos instrumentos do imperialismo, a serviço dos interesses dos cidadãos e dos governos de suas respectivas nações.

Para tentar dissipar alguns mitos e para um melhor entendimento de como esses são raciocínios completamente fora da realidade, vamos examinar um pouco como funciona a maior fabricante de tênis do mundo, a norte-americana Nike.

Nas palavras de Yeda S. Santos: “Sua produção é 100% terceirizada, 30% proveniente da Coréia do Sul, Taiwan, Malásia, Filipinas e China. A empresa vendeu US$ 6,5 bilhões em 1996, gera 90 mil postos de trabalho na sua cadeia produtiva e emprega, diretamente, 17 mil pessoas. Como outras megaempresas, a Nike procura baixar seus custos de produção utilizando mão-de-obra boa e barata de qualquer lugar do mundo, além de buscar outras vantagens, como pouco rigor na proteção ambiental, condição tributária favorável, isenção de impostos etc”. (1)

Para se ter uma idéia de como a empresa opera, a Nike “concebe os modelos de seus conhecidos tênis nos EUA, onde conta com cerca de 500 empregados, encaminha os modelos para Taiwan, onde são fabricados os protótipos e, finalmente, os produtos finais, fabricados a partir dos protótipos são produzidos no país da Ásia onde os salários estejam mais baixos”. (2)

É isso mesmo que você leu, a poderosa Nike na prática tem apenas 500 empregados diretos nos EUA. Não chegaria a ser classificada como empresa de grande porte nem no Brasil. Note que a rede de produção a ela associada chega a 90 mil pessoas espalhadas pelo mundo todo. Sua busca constante por condições tributárias favoráveis em outros países também não se encaixa no papel de empresa que se preocupa muito com o povo americano.

Cabe agora a pergunta: Como todo esse sistema funciona? Na base de tudo, “encontra-se a fragmentação: franchises, terceirização, subcontratos. São pedaços do produto que podem estar distribuídos pelo mundo, amarrados por uma network (rede de trabalho) de informática e transmissão de dados de alta velocidade”. (3)

Como se vê, a nossa conhecida dobradinha, composta pelos computadores e redes de comunicação, combinados aos novos métodos gerenciais são as chaves do sucesso, pelo menos do ponto de vista administrativo.

E como será que a empresa ganha tanto dinheiro? Nas palavras de Ladislau Dowbor, A Nike “vende por preços que oscilam entre 70 e 130 dólares um par de tênis cujo custo físico de produção é da ordem de 10 dólares. Perguntados como conseguiam vender a 100 dólares um produto de menos de 10 dólares, a Nike, que apenas coordena o ciclo econômico, e não produz tênis nenhum, respondeu simplesmente: ‘Nos não vendemos tênis, vendemos emoções’". (4)

Agora talvez comece a ficar mais claro. Na realidade as grandes empresas da era da globalização de fato não fabricam nada. Simplesmente cultivam cuidadosamente sua marca ou grife. Como fazem isso? De novo Dowbor nos esclarece: “A Nike gasta fortunas com publicidade, o que permite associar o tênis produzido por jovens mal pagas na Ásia, com os poderosos músculos de Michael Jordan. A identidade criada, de poder e sucesso, permite que outros jovens pelo planeta afora gastem 100 dólares para partilharem do sentimento, da identidade”.(5)

Nada disso seria de fato problema e o Senhor Phil Kinight, fundador e presidente da Nike, poderia comemorar a vontade o prêmio de Anunciante do Ano no 50.º Festival Internacional da Publicidade de Cannes não fosse um pequeno detalhe: “A Suprema Corte americana decidiu que a Nike pode ser processada por publicidade enganosa em resposta a ação do ativista Mark Kasky. Em 1998, esse ativista de São Francisco (Califórnia) acusou a Nike de se apresentar, em campanha de marketing e de relações públicas, como empresa responsável, escondendo as condições de trabalho de operários que fabricam seus produtos na Ásia”.(6)

E quais seriam essas condições de trabalho que a Nike procurava esconder? A associação norte-americana “Justice! Do it Nike!”, propôs um boicote aos produtos da Nike, Motivo: “fábricas no Vietnã, subcontratadas para produzir os tênis da Nike, submetem os trabalhadores a jornadas de 65 horas de trabalho por semana, contrariando as leis do país”.

“Os trabalhadores operam nesse regime para poder atingir metas absurdamente elevadas de produção e ainda ficam sujeitos à exposição a substâncias carcinogênicas acima dos limites toleráveis. Críticas à operação da Nike no Vietnã, divulgadas pela CBS News, incluíram também desde salários abaixo do necessário para a subsistência até castigos corporais, abusos sexuais e condições desumanas de trabalho”.(7)

Para concluir, vamos acrescentar apenas mais uma citação: “Enquanto meninas no Brasil brincam com as bonecas Barbie, lá (Filipinas, Indonésia, China) outras meninas, sem direito à infância e de ir à escola, trabalham mais de 14 horas por dia para costurar as roupas da Barbie. A Nike paga milhões de dólares para atletas divulgarem o seu nome, mas a indústria que produz o seu tênis paga menos de 1 dólar por dia de trabalho nas ZPE*”.(8)

Essas práticas na verdade são comuns, não apenas a Nike, mas a quase todas as novas empresas globalizadas, constituindo um encantador mundo novo cheio de trabalho “criativo” e bem remunerado para o terceiro mundo, conforme as previsões dos entusiastas da globalização irresponsável.

NOTAS:

(1) Yeda S. Santos – “O avanço da informalidade”
(2) Comentários sobre economia na Internet.
(3) Yeda S. Santos – “O avanço da informalidade”
(4) Ladislau Dowbor – “Economia da Comunicação”
(5) Idem.
(6) Carlos Franco – “Nike pode ser processada nos EUA” - O Estado de São Paulo – 28/06/2003
(7) “ONG americana propõe boicote à Nike e rotulada” – Revista Britânica Ethical Consumer
(8) Marcos Villela - “O lado sujo das marcas famosas”

* Zona de Processamento de Exportação

Fonte: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/05/281150.shtml

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